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domingo, 30 de janeiro de 2011

Pormenores do julgamento de Jesus


No ano 30 (ou 29) da nossa era, três cruzes foram levantadas nos arredores de Jerusalém: em duas delas morriam dois homens condenados por crimes comuns; na terceira morria Jesus de Nazaré. Eram os dias da Páscoa judaica, portanto o fato ocorreu entre março e abril daquele ano.
Jesus havia sido humilhado ante dois tribunais e submetido a dois julgamentos: o do Sinédrio e o do Procurador Romano Pôncio Pilatos. O do Sinédrio condenou Jesus por blasfêmia: havia-se proclamado filho de Deus. Porém as autoridades judaicas, como lemos no Evangelho de São João, não tinham autorização para emitir e executar sentenças capitais. Por isso, na madrugada da sexta-feira, levaram o preso ao tribunal de Pilatos.

Neste caso, a acusação foi outra, muito hábil: este Jesus havia-se proclamado rei dos judeus, quer dizer, tinha-se colocado contra "César", o imperador de Roma. Pilatos se deu conta de que a acusação não tinha nenhum fundamento, porém teve medo de que os judeus o denunciassem a Roma e mandou que Jesus fosse crucificado. Todavia, o desenlace dos acontecimentos, tanto na Palestina como em Roma, não foi favorável a Pilatos; a decisão de condenar Jesus foi considerada politicamente equivocada. De fato, no ano 36, será destituído.

O imperador de Roma era Tibério ('19-36 d.C.), primeiro sucessor de Augusto. Na realidade, até o ano 31, Tibério havia deixado a administração de todo o império nas mãos de Sejano, do qual Pilatos era o homem de confiança. Porém, no ano 31 Sejano foi destituído pelo próprio Tibério, que retomou o controle do império. Com respeito à turbulenta província da Síria (que agora inclui a Palestina), seu legado Vitélio - no ano 36 - destituiu o sumo sacerdote Caifás e decidiu que Pilatos deveria voltar a Roma para prestar contas de toda a sua política até o momento. O juízo é desfavorável e Pilatos morre de forma violenta.
Deste modo começamos a descobrir que - a partir do ano 31 e, como veremos, até o ano 62, quando Nero (54-58 d.C.) mudou radicalmente sua política - Roma não foi hostil ao cristianismo. E durante mais de 30 anos, olhou com certa simpatia e tolerância esta nova "seita" que havia aparecido entre os judeus, mesmo que fosse pela simples razão de que estes a combatiam. E em diversas oportunidades, fosse em Roma, fosse na Palestina, as autoridades romanas defenderam os cristãos das agressões do judaísmo, como veremos sobretudo no caso de São Paulo.
Isto não impediu fatos violentos - como o apedrejamento de Estevão no ano 34 pelas mãos do Sinédrio ou como a decapitação de São Tiago no ano 42 por ordem de Herodes Agripa I -, mas estes fatos não correspondiam à vontade de Roma e foram julgados como abuso de poder.

E que os romanos - pragmáticos como sempre - se deram conta imediatamente de que nem Jesus, nem seus seguidores eram perigosos do ponto de vista estritamente político, deram-se conta de que dali não ia sair nenhuma das tentativas subversivas que caracterizavam, pelo contrário, outros setores do judaísmo.
A teoria segundo a qual Jesus foi um revolucionário, ou de que teria vindo para libertar os oprimidos da escravidão política ou social não tem nenhum fundamento histórico.
Não obstante, seria um erro de interpretação muito mais grave concluir que Jesus e o cristianismo foram e são portadores de um espiritualismo inócuo, de uma simples moral, ou de um culto a mais no panorama mundial das religiões. Mais tarde, Roma compreenderá muito bem a verdadeira natureza e o verdadeiro perigo que vinha do cristianismo. Não é um novo partido, uma nova ideologia, mas uma nova vida e uma nova cultura, um começo de outro mundo – mais humano e mais visível - dentro deste mundo, dentro de uma sociedade em crise profunda, que, no caso do Império Romano, já, não tinha em si mesma nenhum fundamento sólido, nenhum valor humano - nem sequer a antiga tradição dos pais fundadores - a partir do qual ter consistência.
Tal como resulta ao longo de toda a sua história, o cristianismo demonstra toda a sua verdadeira identidade, sua novidade radical e sua força, não quando se opõe ao poder com as mesmas armas do poder, mas quando constrói novas formas de vida.

Esclarecedora, a propósito disto, é a seguinte consideração de Charles Péguy: "Havia a maldade também na época dos romanos. Mas Jesus veio. Não desperdiçou seus anos reclamando e lamentando-se da maldade dos tempos. Ele foi direto ao ponto. De um modo muito simples: fazendo o cristianismo. Ele não incriminou nem acusou ninguém. Ele salvou. Não incriminou o mundo, Ele salvou o mundo" (Véronique).

G. Albuquerque

Fonte:

Da terra aos povos: a difusão do cristianismo nos primeiros séculos – Mostra arqueológica em painéis – São Paulo: Centro Cultural 12 de outubro.

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